sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Falência



Eu já vi e ouvi este vídeo inúmeras vezes. Se a memória não me falha, estamos aqui perante o mestre do violoncelo, Rostropovich, e um dos mestres russos, Shostakovich, que, muito a par de Prokofiev, é um dos meus compositores favoritos, cujo Concerto nº 1 para Violoncelo foi composto especialmente para este intérprete, que o aprendeu (e apreendeu) num tempo record. Os tronos dos meus favoritos raramente caem para dar lugar a outros. O Dalí, que nunca foi, pessoalmente, um favorito, fazia experiências surrealistas como escrever ou pintar com sono. Andava tudo louco pelos anos 30. O Breton é que devia ter escrito umas boas assim meio grogue, ensonado, drogado. Eu sinto-me um bocadinho desses três.

Podia ter colocado este post no Soldado do lado (do Fado!), até tinha aqui um fadinho para acompanhar, mas cansou-me aquela discussão de merda no último verbete. Como já estava cansada do blogue, depois daquilo ainda fiquei mais farta. É que a actividade na net é sempre a mesma coisa. Falemos sobre metal, clássica, fado, vai tudo dar ao mesmo, às mesmas querelas. Eu já andei em muitas e agora só me apetece falar de flores. Flores, passeios, ar, cerveja e cozido à portuguesa. Coisas simples e sem tretas intelectuais, que essas, vou reservar para quando me sentir estruturalmente preparada para me fingir de conhecedora e inteligente e para envergar a capa da prepotente do costume.

Esta Cadenza é uma obra lindíssima. Corrijam-me os entendidos na matéria, mas a cadenza, segundo li por aí, é uma composição escrita pelo compositor (perdoem-me a redundância!), que confere espaço à recriação do intérprete. Assim género estilar, estão a ver, ó fadistas? Pois, mas, no que respeita a esta cadenza em particular, nunca vi ninguém a tocá-la de outra forma que não esta, com uma ou outra nuance própria da interpretação, mas não da recriação. Comentários hipotéticos à parte, considero este o meu movimento favorito deste pequeno concerto.

À primeira audição, a paixão pelo primeiro andamento assolapou-me, mas depois foi a Cadenza que foi ganhando espaço no meu espírito obstruído e nitidamente obsessivo. E muito penso que estará este amor (ou paixão) relacionado com a minha figurinha sentimental. É uma figurinha risível, acreditem-me. Uma dissonância absoluta da espécie, uma desagregação, uma viagem pelas divergências do sentido. É uma Pena! "Ai esta pena de mim", até podia ser isto, mas, não era este o fadinho que teria escolhido para acompanhar esta valsa de maus humores. Um dia hei-de colocá-lo no sítio certo (vá lá, não sejam malandros...), porque as agruras não têm fim e muito posso escrever sobre elas e para elas. Correspondemo-nos muito e uma das formas de nos entendermos é ouvindo a Cadenza do Shostakovich, que deixa uma pessoa destrambelhada, desorientada, mas agradavelmente encalhada ali entre o delírio apatarecado e a sensação de posse de um tesouro nunca dantes conhecido. Invariavelmente, tudo aquilo que amamos é um tesouro que outrem desconhece, muito por obra dessa disposição que em nós é única, essa potencialidade da capacidade de sentir. Quem a tem, abraçará muitos tesouros.

Quem não a tem entra em falência estética, sentimental, espiritual, intelectual, cerebral. Enfim, é um COMA.

3 comentários:

Anónimo disse...

Graças a Deus, as coisa não têm de ser todas levada ao extremo. Nem mesmo o Amor.
Há momentos em que nos sentimos perdidos mas temos de nos encontrar e saber quem somos, o que queremos e o que sentimos. E isso surgirá. Por mais que uma pessoa queira inibir isto ou aquilo, por mais que seja confortável estar em coma sentimental (porque pode ser cómodo), por mais à deriva que nos possamos sentir.E às vezes ainda vamos a tempo de emendar os erros feitos pelas agruras da alma.

Anónimo disse...

As pessoas não respeitam, nem aceitam, as críticas. Se não for tudo para concordar uns com os outros, há logo asneira da grossa. Seja em que tema, blogue, QI ou idade, for. As pessoas não estão preparadas para ler, só para serem lidas. E a tudo temos de dizer que sim.

Anónimo disse...

O 2º anónimo falou bem!
Quanto mais se fala em integração, mais exclusão existe... se não fores como eu, és errado!