sexta-feira, 17 de julho de 2009

A sua classe? Ex-classe média

Por Pedro Lomba, Publicado em 17 de Julho de 2009 no Jornal I

Leio na "Time" desta semana uma reportagem sobre a nova geração dos 20 anos na Europa. O local: Espanha, após o apogeu dos últimos anos (mas bem podia ser França ou Portugal, porque a realidade não é muito diferente). As personagens: jovens com menos de 30 anos, uns no desemprego, outros com trabalhos mal pagos na economia dos serviços. O argumento: de filme negro, série B, sem nenhum final feliz. Um longo cardápio de queixas, desilusões, frustrações. Ou, traduzindo em palavras mais directas, os novos vintões e vintonas, mesmo cheios de mestrados e doutoramentos, podem vir a ser a primeira geração desde há décadas a descer de classe social.
É assunto para pensarmos um pouco. Esta crise está a atingir, com maior ou menor intensidade, todas as classes. Todas têm perdido alguma coisa, quer seja poder financeiro, quer seja a fonte de toda a sobrevivência: o emprego. Os ricos que confiaram nos Madoffs e BPP ficaram menos ricos, os pobres que não tinham recursos para aguentar o embate, as classes médias que viram gorar-se os seus projectos de estabilidade e consumo. Umas sofrem mais do que outras, umas resistem melhor do que outras, e essa desigualdade de base faz toda a diferença. Mas é certo que a crise mundial não deixou ninguém ileso.

Ficámos todos mais pobres, mais retraídos, mais pessimistas. E agora que a recessão pode trazer uma estagnação prolongada, alguém aguenta a ideia de ser obrigado a descer de classe social?

O escritor romeno Eugene Ionesco disse uma vez que preferia os ricos e os trabalhadores aos burgueses só por causa das suas dúvidas metafísicas. Um rico pergunta: por quanto tempo continuarei rico? Um pobre pergunta: quando deixarei de ser pobre? Pelo contrário, burgueses e classe média não fazem este género de perguntas dramáticas. São menos interessantes. Para estes, a classe social tende a ser vista como um adquirido, tal como o formato da cara ou o apelido de família. Nasci na classe média e ao menos daqui ninguém me tira.
Mas tira; e é o que está a acontecer com a crise. Talvez por isso, o aparecimento de um grupo de pessoas que, tendo pertencido com os pais à classe média, não conseguirão manter esse estatuto, promete ser uma mudança social inquietante. Veremos, já estamos a vê-las, muitas manifestações dessa descida. A ex-classe média irá votar Bloco de Esquerda até se desiludir com o Bloco, ou simplesmente não irá votar. A ex-classe média viverá em casa dos pais até tarde e, muito provavelmente, girará entre empregos, apartamentos arrendados ou relações amorosas sem se agarrar a nada e sem construir nada. Vai ser uma geração cínica e desenraizada, cutucando no Facebook para aplacar a solidão.

Jurista

Na mouche, Sr. Pedro.

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