3 mentes brilhantes, diferentes, desafiadoras, perspicazes, iluminadas, modernas mas adeptas das tradições, tradicionalistas mas a favor de tudo que seja avant-garde, modestas mas não atrofiadas, arrogantes mas com humildade, a favor dos desfavorecidos mas com vontade de viver à grande, com gostos requintados sem descurar o popularucho.
sábado, 22 de março de 2008
Brahms, Rostropovich e a fragilidade das referências na recordação
Como se caracteriza algo quando não sabemos a linguagem apropriada?
Por exemplo, como explicar a forma como sentimos uma música, ao querermos descrevê-la para mostrar aos outros a sua potência? Triste é aquele que perdeu o veio da comunicação e bronco é aquele que nunca o adquiriu. Por exemplo, não consigo explicar por palavras a força das sonatas para violoncelo de Brahms. Domino vagamente a linguagem associada ao heavy metal, não sei explicar mais nada, tanto menos descrever.
Consegui aceder a uns documentos escritos por músicos que estavam a licenciar-se e cuja análise fina das composições foi requerida e apreciada pelos professores. Li alguns papers e percebi a complexidade daquilo que queria dizer aqui. Como caracterizar aquele momento poderoso que aparece no minuto 4 do andamento II? Pois, há maneira de o fazer, aplicando vastos conhecimentos em teoria musical, andamentos e/ou ornamentações. É especialmente importante conhecer a partitura, mas a possibilidade de ser detentora desse conhecimento privilegiado ficou perdida no tempo e na minha falta de paciência e persistência juvenis.
Fiz um download de música de Brahms, completamente aleatório. Eram as Cello Sonatas. Fui capturada por uma força totalmente embebida no virtuosismo da execução do piano e violoncelo. Mas o violoncelo arrebatou-me durante os diversos andamentos da Sonata N.º 1 em E menor, Op. 38 e da Sonata N.º 2 em F, Op. 99. A minha alma foi rasgada por uma sensação indescritível de paixão e dependência. Quem lutava contra aquele violoncelo e quem fabricava uma sinergia completa com aquele piano e martelava os meus sentidos, estava a alimentar-se de mim e a impor a sua presença extra na minha sensibilidade e na minha mente.
Há qualquer coisa de verdade neste violoncelista (Mstislav Rostropovich, infelizmente falecido no ano passado, em Abril) e um dia vou descobrir o que é. Ou será que há qualquer coisa de verdade em mim, que me permitiu este acesso tão íntimo? Ou será que foi Brahms, com a força invencível das suas composições?
Estes fenómenos estabelecem-se num diálogo altamente complexo entre mim e a obra. Para complicar ainda mais, o diálogo mútuo, neste caso, refere-se à música que, além de ser abstracta quanto à significação (Adorno considera-la-á a perfeita concretização do enigma que diz não ser?), é passível das mais diversas interpretações e reacções à sua temporalidade. A verdade não está escondida na sua partitura e, muitas vezes, nem na ideia do compositor. Está escondida em quem conseguir fazer dela a sua raison d’être e lançá-la para quem conseguir legitimá-la individualmente num momento disposicionalmente propício. Essa verdade não deixa de ser magmática, podendo posteriormente endurecer-se e desvanecer-se no interior do Eu. Mas de si própria, o que resta?
NOTA: Para consultar a versão completa do texto consulte o link Plateaux of Mirrors na secção Outras Paragens.
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quarta-feira, 5 de março de 2008
Professores e Educação
-Comentário e opinião
-Pensar sobre a educação (com algum sarcasmo)
-Dar uma palavra de apoio e expressar a minha consideração pelos professores
Toda a gente tem um qualquer comentário a tecer sobre a profissão de professor. Aqui segue o meu, que nasceu de um impulso em pensar sobre o estado das coisas na educação e acerca dos docentes.
O que é que aconteceu à figura que transmite conhecimento, que elucida, que ensina a estudar e a pensar? Porque é que existe tanta hostilidade para com esse ofício outrora venerável? Porque é que não se dignifica o papel das pessoas que dedicam a sua vida à transmissão de conhecimentos? E porque é que a pessoa e o ofício têm de se adaptar a esta sociedade fast food, do faz de conta e do facilitismo? Porque é que se discute o papel de ser professor e não o papel de ser aluno (quanto aos deveres, sim)?
Aparte do ensino primário, é a partir do 5º ano que tudo começa, em que recebemos grande parte da nossa formação, em que experimentamos e fazemos as primeiras escolhas. O problema da opinião não especializada que grassa a reputação dos professores advém, não só mas também, destes últimos verem-se coibidos de uma suposta opinião da parte de quem vive com eles de perto: os alunos. Quer por condicionamento de idade ou quer por alienação social, os alunos, principais interessados que a sua educação seja da melhor qualidade, agem como animais misantrópicos, envoltos na sua carapaça juvenil e inconsequente que, ainda por cima, têm o apoio dos pais, mais velhos mas menos doutos, mais opiniosos e mais perigosos, sadicamente orientados para denegrir a imagem de quem ensina e orienta, colocando os seus rebentos, sangue do seu sangue, manifestos de um futuro duvidoso, nas suas torres de marfim.
Os professores têm um ofício que carrega este estigma: do potencial insucesso de outrem (que realmente têm de evitar), do facto de outrem ainda estar dependente de outrem (leia-se, dos pais, que participam activamente nos trabalhos dos professores; boa ou má, são uma interferência, um ruído de fundo necessário ao ofício), da opinião pública (como todos já foram alunos e/ou presentemente são pais de alunos, opinam e pertencem à porção dos que são ouvidos), do ensino obrigatório (como na escola não está quem quer, mas quem tem de cumprir a escolaridade obrigatória, convêm que esse percurso se faça o mais horizontalmente possível, sem lombas ou depressões e, estas últimas, só mesmo destinadas aos professores). Porém, não esquecer que muitos Encarregados de Educação compreendem o esforço dos professores e apoiam. Outros nem por isso, é como tudo.
Anteriormente, a função de professor era ensinar e disciplinar. Depois, foi-lhe atribuída uma função acrescida: a de educar (sem querer comentar a fragilidade e ambiguidade de alguns pais nesta matéria). Actualmente, a carreira docente foi embelezada com um grau denominado Titular, aproximadamente consistindo em ser professor-escriturário-administrativo-avaliador-coordenador-executivo-supervisor-orientador que, claro, também é sujeito a avaliação. Este grau perturbará a paz (relativa) entre docentes e aumentará a hipocrisia e competitividade, nada de estranho ao ambiente de uma grande empresa.
Mas não é este o cerne da questão. O que está a causar celeuma e união massiva entre professores é o abjecto sistema de avaliação, com todas as suas alíneas, pontos, interferências e referências que, ao que parece, ninguém consegue compreender. Este problema advém da dificuldade em avaliar objectivamente o desempenho do docente, que está afecto a diversas flutuações referentes a turmas, alunos específicos que apresentam problemas específicos e outras actividades pedagógicas. Nem todos os professores são de Matemática (não desfazendo) e existem problemas cuja solução não é verdadeira ou falsa, mas que se avalia por um processo subjectivo que, por vezes, acompanha mais as operações do que os resultados.
Daí que o sistema de avaliação tenha querido “ir a todas”, de preferência antes que o governo tombe, apresentando uma complexidade e instrumentalização insolentes, concomitantes com o bate-pé de Sócrates e com a sensibilidade hitleriana de Maria de Lurdes Rodrigues.
Onde fica a dignidade de uma pessoa que tem de dar boas notas aos alunos para não comprometer a sua avaliação? E fica aqui igualmente uma nota para a mui relativa dignidade dos alunos que terão de ser submetidos a um teste, caso tenham faltas injustificadas em demasia, ficando no ar a questão de que matéria aparecerá num teste adaptado a uma realidade de ausência. Certamente que essas faltas não foram dadas com objectivo de ficar em casa a estudar…
Os parâmetros de avaliação dos professores são circulares e subjectivos. Mas também ainda não vi (ou li) ninguém que propusesse quaisquer outros. Está em construção uma carreira docente assente em muito material relativo. Nenhuma empresa (e falo em empresa porque a escola é cada vez mais tomada como uma) tem a capacidade de colocar a pessoa certa no lugar certo, mas deverá ter parâmetros objectivos na avaliação do seu pessoal, orientados para as suas funções específicas e para os resultados. Se a função do professor é cada vez mais colorida com inúmeras outras funções, os trâmites da sua avaliação estão apensos a uma série de tarefas, onde uma delas se destaca como a conceptualmente mais determinante mas legislativamente uniformizada pela mole de tantas outras: a tarefa de ensinar.
Havendo um estudo que defina o que é ser docente talvez facilite o seu papel, para minimizar acusações de preguiçosos e mandriões. Por alguns pagam todos. Quem aceita as mudanças não significa que aceite de ânimo leve atentados à dignidade, ataques, críticas negativas e legislação a martelo. Penso que se pretende um sistema de avaliação coeso, claro e conciso, que obrigue os avaliadores a dar um passo atrás e executar um plano sem interferências de simpatias e cunhas, e que motive os avaliados a enfrentar os seus desafios. As cartas estão na mesa e o trabalho está meio feito para quem tenha competência , formação e qualificação para acertar pontas soltas (que são muitas).
Falar é fácil (contra mim falo).
Força professores, ensinem-lhes uma lição que é para isso que vocês servem!
-Pensar sobre a educação (com algum sarcasmo)
-Dar uma palavra de apoio e expressar a minha consideração pelos professores
Toda a gente tem um qualquer comentário a tecer sobre a profissão de professor. Aqui segue o meu, que nasceu de um impulso em pensar sobre o estado das coisas na educação e acerca dos docentes.
O que é que aconteceu à figura que transmite conhecimento, que elucida, que ensina a estudar e a pensar? Porque é que existe tanta hostilidade para com esse ofício outrora venerável? Porque é que não se dignifica o papel das pessoas que dedicam a sua vida à transmissão de conhecimentos? E porque é que a pessoa e o ofício têm de se adaptar a esta sociedade fast food, do faz de conta e do facilitismo? Porque é que se discute o papel de ser professor e não o papel de ser aluno (quanto aos deveres, sim)?
Aparte do ensino primário, é a partir do 5º ano que tudo começa, em que recebemos grande parte da nossa formação, em que experimentamos e fazemos as primeiras escolhas. O problema da opinião não especializada que grassa a reputação dos professores advém, não só mas também, destes últimos verem-se coibidos de uma suposta opinião da parte de quem vive com eles de perto: os alunos. Quer por condicionamento de idade ou quer por alienação social, os alunos, principais interessados que a sua educação seja da melhor qualidade, agem como animais misantrópicos, envoltos na sua carapaça juvenil e inconsequente que, ainda por cima, têm o apoio dos pais, mais velhos mas menos doutos, mais opiniosos e mais perigosos, sadicamente orientados para denegrir a imagem de quem ensina e orienta, colocando os seus rebentos, sangue do seu sangue, manifestos de um futuro duvidoso, nas suas torres de marfim.
Os professores têm um ofício que carrega este estigma: do potencial insucesso de outrem (que realmente têm de evitar), do facto de outrem ainda estar dependente de outrem (leia-se, dos pais, que participam activamente nos trabalhos dos professores; boa ou má, são uma interferência, um ruído de fundo necessário ao ofício), da opinião pública (como todos já foram alunos e/ou presentemente são pais de alunos, opinam e pertencem à porção dos que são ouvidos), do ensino obrigatório (como na escola não está quem quer, mas quem tem de cumprir a escolaridade obrigatória, convêm que esse percurso se faça o mais horizontalmente possível, sem lombas ou depressões e, estas últimas, só mesmo destinadas aos professores). Porém, não esquecer que muitos Encarregados de Educação compreendem o esforço dos professores e apoiam. Outros nem por isso, é como tudo.
Anteriormente, a função de professor era ensinar e disciplinar. Depois, foi-lhe atribuída uma função acrescida: a de educar (sem querer comentar a fragilidade e ambiguidade de alguns pais nesta matéria). Actualmente, a carreira docente foi embelezada com um grau denominado Titular, aproximadamente consistindo em ser professor-escriturário-administrativo-avaliador-coordenador-executivo-supervisor-orientador que, claro, também é sujeito a avaliação. Este grau perturbará a paz (relativa) entre docentes e aumentará a hipocrisia e competitividade, nada de estranho ao ambiente de uma grande empresa.
Mas não é este o cerne da questão. O que está a causar celeuma e união massiva entre professores é o abjecto sistema de avaliação, com todas as suas alíneas, pontos, interferências e referências que, ao que parece, ninguém consegue compreender. Este problema advém da dificuldade em avaliar objectivamente o desempenho do docente, que está afecto a diversas flutuações referentes a turmas, alunos específicos que apresentam problemas específicos e outras actividades pedagógicas. Nem todos os professores são de Matemática (não desfazendo) e existem problemas cuja solução não é verdadeira ou falsa, mas que se avalia por um processo subjectivo que, por vezes, acompanha mais as operações do que os resultados.
Daí que o sistema de avaliação tenha querido “ir a todas”, de preferência antes que o governo tombe, apresentando uma complexidade e instrumentalização insolentes, concomitantes com o bate-pé de Sócrates e com a sensibilidade hitleriana de Maria de Lurdes Rodrigues.
Onde fica a dignidade de uma pessoa que tem de dar boas notas aos alunos para não comprometer a sua avaliação? E fica aqui igualmente uma nota para a mui relativa dignidade dos alunos que terão de ser submetidos a um teste, caso tenham faltas injustificadas em demasia, ficando no ar a questão de que matéria aparecerá num teste adaptado a uma realidade de ausência. Certamente que essas faltas não foram dadas com objectivo de ficar em casa a estudar…
Os parâmetros de avaliação dos professores são circulares e subjectivos. Mas também ainda não vi (ou li) ninguém que propusesse quaisquer outros. Está em construção uma carreira docente assente em muito material relativo. Nenhuma empresa (e falo em empresa porque a escola é cada vez mais tomada como uma) tem a capacidade de colocar a pessoa certa no lugar certo, mas deverá ter parâmetros objectivos na avaliação do seu pessoal, orientados para as suas funções específicas e para os resultados. Se a função do professor é cada vez mais colorida com inúmeras outras funções, os trâmites da sua avaliação estão apensos a uma série de tarefas, onde uma delas se destaca como a conceptualmente mais determinante mas legislativamente uniformizada pela mole de tantas outras: a tarefa de ensinar.
Havendo um estudo que defina o que é ser docente talvez facilite o seu papel, para minimizar acusações de preguiçosos e mandriões. Por alguns pagam todos. Quem aceita as mudanças não significa que aceite de ânimo leve atentados à dignidade, ataques, críticas negativas e legislação a martelo. Penso que se pretende um sistema de avaliação coeso, claro e conciso, que obrigue os avaliadores a dar um passo atrás e executar um plano sem interferências de simpatias e cunhas, e que motive os avaliados a enfrentar os seus desafios. As cartas estão na mesa e o trabalho está meio feito para quem tenha competência , formação e qualificação para acertar pontas soltas (que são muitas).
Falar é fácil (contra mim falo).
Força professores, ensinem-lhes uma lição que é para isso que vocês servem!
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